Sabemos que a COVID-19 vem impactando, em maior ou menor grau, todos os setores da economia e, por consequência, os negócios jurídicos envolvendo a compra e venda de lojas, pontos comerciais e redes de supermercados.
A grande maioria dos projetos em andamento até meados de março de 2020 foram suspensos temporariamente, porém estamos certos de que a crise, por mais profunda e dolorosa que seja, será pontual e certamente trará muitas oportunidades de venda e compra de ativos no setor de varejo alimentício. Por este motivo, tanto os potenciais compradores quanto os vendedores, deverão ficar atentos às distorções que a COVID-19 certamente irá gerar nas demonstrações financeiras das empresas e, por consequência, na correta precificação de tais ativos.
Diante deste cenário, resolvemos escrever este texto para destacar alguns aspectos relevantes a serem analisados quanto à precificação de lojas, pontos comerciais e redes de supermercados
Precificação dos Ativos
Quem trabalha com operações de M&A no setor de varejo alimentício sabe que a precificação dos ativos neste setor está muito mais relacionada à média de faturamento mensal de lojas do que a outros critérios de valuation (Ebtida; fluxo de caixa descontado; etc).
Regra geral, para se precificar principalmente lojas e pontos comerciais do setor de varejo alimentício, normalmente considera-se a média de faturamento mensal dos 12 meses anteriores ao mês base da transação e, sobre tal média, aplica-se um determinado múltiplo. O multiplicador base normalmente utilizado é de 3 vezes a média do faturamento mensal do ativo nos referidos 12 meses, todavia, tal múltiplo costuma variar significativamente, para mais ou para menos, em função de certas características específicas de cada ativo (ex: necessidade de CAPEX em decorrência de depreciação de máquinas e equipamentos e a necessidade de investimentos por parte do comprador para substituição do ativo fixo; desempenho do ativo com base na média de faturamento por m2 de área de vendas; localização dos pontos; vagas de garagem; nível de concorrência no raio de atuação do ativo alvo; etc).
No entanto, o que temos verificado nas últimas semanas é que a COVID-19 está distorcendo significativamente o faturamento habitual das lojas de supermercado. Em conversas com os nossos clientes, todos têm relatado um comportamento bastante semelhante no se refere às alterações no faturamento das lojas, qual seja, aumento abrupto e desproporcional das vendas nas duas semanas posteriores a 13 de março (aumento médio entre 35% e 45% nas vendas) com características de estocagem (tendo em vista o mix dos itens vendidos – produtos de primeira necessidade); um declínio nas vendas na semana que se iniciou em 29 de março; e um novo aumento nas vendas a partir de 5 de abril (principalmente em razão do recebimento de salário daqueles funcionários que ainda estão empregados).
A perspectiva é de manutenção das vendas em patamares mais próximos do normal até o término da primeira quinzena de abril. Este cenário também está refletido nos dados da APAS conforme reportagem do jornal valor Econômico de 08 de abril: “Mesmo que venha consumindo em casa os produtos comprados, o consumidor pode ter se ‘super estocado’, temendo falta de itens, e levar mais tempo para voltar às lojas. Dados da Associação Paulista de Supermercados (Apas) mostram dias com forte alta nas vendas, seguidos de quedas.”
Não obstante a ABRAS projetar um crescimento médio para o setor em 2020 de 3,9% (mesmo com os efeitos da COVID-19, projeção esta que foi revista para baixo, uma vez que a projeção antes da crise era de 4,2%), existe uma enorme preocupação dos empresários do setor de varejo alimentício no curto e médio prazo com relação ao comportamento do faturamento das lojas. Para os próximos dias, a perspectiva é que, no curto prazo (no período de 15 de abril a 15 de maio) o faturamento provavelmente será impactado de forma negativa pelos efeitos do isolamento e também pela “super estocagem” dos consumidores. No médio prazo, a preocupação recai sobre a diminuição do poder de compra decorrente das demissões em massa que já estão ocorrendo nos diversos setores da economia e, por consequência, na possibilidade de uma nova recessão econômica.
Tais fatores poderão impactar diretamente no faturamento das lojas no médio prazo, conforme retratado na mesma reportagem do Valor Econômico: “Entre varejistas, há dúvidas sobre os efeitos de uma eventual desaceleração econômica. Há picos de venda nas lojas agora – em São Paulo, a alta chegou a 48% na terceira semana de março – mas há a possibilidade de que o setor sinta uma ‘ressaca’ posterior, não apenas pelo risco de uma nova recessão, mas por uma eventual desaceleração, após uma antecipação forte das compras nos últimos dias.”
Pois bem, retornando para o tema central deste artigo, fato é que os dados acima destacados certamente resultarão em um comportamento totalmente atípico no faturamento das lojas; por consequência, deverão requerer atenção especial e negociação específica por parte de potenciais compradores e vendedores de ativos ligados ao setor de varejo alimentício, de modo que os critérios a serem utilizados na precificação de lojas, pontos comerciais e até mesmo de redes de supermercados deverão refletir a operação regular e o faturamento médio normal das lojas e das redes de supermercado antes do início da crise, visando expurgar da precificação os efeitos diretos da COVID-19.
Conclusão
Talvez, uma alternativa razoável seja excluir da precificação a média de faturamento do 2º trimestre de 2020, de modo a minimizar a interferência positiva ou negativa da COVID-19 no preço dos ativos. Todavia, tal alternativa deverá ser analisada, caso a caso, de modo a não desconsiderar como será o desempenho do ativo no pós crise – principalmente, no que se refere à rentabilidade no médio e longo prazos em decorrência de determinados fatores, tais como: perda definitiva de clientes e faturamento; comprometimento da rentabilidade; impacto das vendas on line; etc.
Conforme destacado no início deste texto, estamos chamando a atenção para esse tema, porque a crise certamente trará muitas oportunidades de venda e compra de lojas, pontos comerciais e redes de supermercados, sendo que tanto os potenciais compradores quanto os vendedores, deverão estar atentos às distorções que a COVID-19 poderá gerar nas demonstrações financeiras das empresas e na correta precificação dos ativos do setor de varejo alimentício.