Neste texto, iremos abordar um tema de fundamental relevância em qualquer transação envolvendo compra e venda de ativos, em especial, no setor de varejo supermercadista – trataremos da abrangência da cláusula de não concorrência (“non-compete”) na compra e venda de lojas no setor de varejo supermercadista.
A cláusula de não concorrência impõe ao vendedor a obrigação de se abster de praticar, direta ou indiretamente, concorrência com o comprador durante certo prazo.
Esta cláusula é de fundamental importância principalmente para a parte compradora, uma vez que, o comprador irá fixar o preço de compra da loja ou lojas de supermercado considerando a perspectiva de lucros futuros e, regra geral, considerando que o vendedor não irá concorrer com ele (comprador) naquela mesma atividade, em determinada região geográfica e por determinado período de tempo.
A obrigação da não concorrência pode ser analisada sob quatro aspectos principais: (i) pessoas vinculadas à obrigação de não concorrência; (ii) limitação temporal; (iii) limitação geográfica; e (iv) limitação de atividades. Pessoas vinculadas à obrigação de Não Concorrência: É fundamental que as partes definam no contrato de venda e compra, quais pessoas (além do próprio vendedor) deverão ficar vinculadas à obrigação de não concorrência.
Regra geral, a redação da cláusula é mais genérica e prevê que o vendedor não poderá concorrer “direta ou indiretamente” com o comprador, todavia, é importante deixar claro no contrato, se a restrição também abrangerá parentes em linha reta e/ou colateral do vendedor (exemplos: filhos. Cônjuge; pais; etc). Sob o ponto de vista do vendedor, é importante analisar a questão da concorrência indireta com relação a familiares do vendedor que já atuem no mesmo ramo e/ou que detenham expertise e pretendam atuar no mesmo ramo de atividade do comprador.
Tal exceção, se admitida pelo comprador, deverá constar expressamente e de forma detalhada no contrato. Já, sob o enfoque do comprador, o conceito de non-compete deverá ser o mais abrangente possível. É normal incluir na cláusula a vedação expressa impedindo o vendedor de financiar terceiros que pretendam fazer concorrência com o comprador na mesma atividade e área geográfica.
Também é comum prever no contrato a proibição do vendedor de atuar como consultor para concorrentes diretos do comprador durante o período de restrição. O comprador deverá exigir a inclusão no contrato de cláusula de “não solicitação” para evitar que o vendedor contrate funcionários do comprador e/ou do ativo adquirido (loja; ponto comercial; e/ou rede de supermercados) durante a vigência da restrição de não concorrência. Limitação Temporal: É importante fixar no contrato de venda e compra, a limitação temporal para a imposição da cláusula de non-compete ao vendedor. A lei não trata especificamente do prazo de non-compete na alienação de quotas/ações de pessoa jurídica. Todavia, a questão da não concorrência está legalmente prevista no art. 1.147 do Código Civil, o qual estabelece que, nos casos de alienação de estabelecimento comercial, se não houver autorização expressa (do comprador) o “alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência”.
Desta forma, o que se verifica, na prática, é uma interpretação extensiva dispositivo legal supra, para prever expressamente a obrigação de não concorrência também para os casos de venda e compra de quotas ou ações de pessoa jurídica. Também é importante analisar o posicionamento jurisprudencial sobre o tema. A Súmula nº 5 do CADE, publicada no D.O.U. de 09/12/2009, estabelece que “É lícita a estipulação de cláusula de não-concorrência com prazo de até cinco anos da alienação de estabelecimento, desde que vinculada à proteção do fundo de comércio.” Todavia, existem decisões em casos específicos analisados pelo CADE admitindo prazo superior a 5 anos quando o investimento justifica maior prazo, conforme se verifica do Parecer Procade Nº 123/2007, que prevê “…Da mesma forma, o CADE tem avaliado a razoabilidade da duração dessas cláusulas analisando caso a caso.
Assim, são diversos os casos em que o Plenário fixou esse prazo em cinco anos: A.C. nº 109/96 (Procter & Gamble/Bombril S.A.), A.C. nº. 193/97 (Basf/Dow Química), A.C. nº 08012.000167/98-11 (Etti/Parmalat), A.C. nº 163/97 (Praxair/Rolmaster), A.C. 08012.002921/00-98 Brinks/TGV, etc.). Houve também o caso em que se considerou razoável o prazo de dez anos, como no A.C. nº 177/97 (Cia. Brasileira de Estireno e Unigel), com base na longa maturação dos investimentos.” Como visto, a delimitação de prazo de non-compete deverá ser definida com cautela sob pena de revisão judicial ou arbitral.
Adicionalmente, cabe destacar que não se deve confundir a cláusula de não concorrência prevista nos contratos de trabalho com o non-compete previsto em operações de M&A – uma vez que, neste último caso, o alienante normalmente é dono da empresa alvo (ou ativo) e não empregado. Nas aquisições de participação de sócio minoritário, cabe analisar a viabilidade do comprador pagar parte do preço a título de remuneração ao vendedor, sob a rubrica de non-compete, para evitar possibilidade de questionamentos sobre a validade da cláusula ou prazo de non-compete por parte do vendedor-minoritário. Tal fato é importante, principalmente, sob o enfoque da jurisprudência trabalhista sobre o non-compete em casos de rescisão de contratos de trabalho: “CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. VALIDADE.
A cláusula de não-concorrência foi estabelecida por tempo razoável e houve pagamento de indenização. Logo, está dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. É, portanto, considerada válida. Não há dano moral a ser reparado.” (TRT 2ª Região – Acórdão: 20040281579 – Rel. Sergio Pinto Martins).” Sob o ponto de vista tributário, na hipótese de pagamento de parte do preço ao vendedor como remuneração pelo non-compete, deverá ser analisada a questão dos impactos tributários para o vendedor, uma vez que, os valores recebidos a título de rendimentos serão tributados pelo imposto de renda com alíquota de 27,5% (ao invés de ganho de capital, alíquota de 15% a 22,5%).
Do ponto de vista do comprador, eventual pagamento de parte do preço como remuneração para o vendedor poderá impactar no custo de aquisição do comprador e, consequentemente, no valor de eventual ágio gerado na operação de aquisição de quotas/ações. Limitação Geográfica: É fundamental fixar no contrato de venda e compra a área geográfica de abrangência do non-compete ao vendedor. A lei não trata especificamente deste assunto, todavia, normalmente as partes definem a área de abrangência do non-compete como sendo a área geográfica de atuação da empresa alvo ou do ativo adquirido (bairro; município; estado; país) e/ou áreas geográficas que o comprador pretenda expandir e atuar no futuro.
Especificamente, no setor de varejo supermercadista, o mais comum é estabelecer em contrato a área geográfica como sendo um raio da loja de supermercado adquirida, raio este que pode ser fixado em quilômetros, bairros ou municípios específicos. Neste sentido, é normal que as partes envolvidas na operação de venda e compra, convencionem contratualmente qual será a região geográfica que o vendedor (direta e indiretamente) não poderá abrir novas lojas e concorrer com o comprador.
Limitação de Atividades: Por fim, parece obvio, mas o contrato de venda e compra precisa prever expressamente a limitação de atividades abrangidas pela obrigação de non-compete, a fim de evitar dúvidas sobre a extensão da não concorrência por parte do vendedor.
É importante analisar o objeto social da empresa alvo e também do comprador, para que se delimite com precisão a abrangência das atividades incluídas no non-compete. Sob o ponto de vista jurisprudencial, cabe destacar que o CADE se posicionou sobre o assunto para os casos de joint venture, nos termos da Súmula nº 4, publicada no D.O.U. de 09/12/2009 – “É lícita a estipulação de cláusula de não-concorrência na vigência de joint venture, desde que guarde relação direta com seu objeto e que fique restrita aos mercados de atuação”.
Para o setor supermercadista, a correta delimitação por escrito das atividades permitidas e proibidas durante o prazo de vigência da restrição, é fundamental para evitar conflitos posteriores entre as partes, uma vez que, na prática, já presenciamos casos onde a limitação de atividades não foi suficientemente clara no contrato, como por exemplo, (i) o comprador limitar apenas a atividade de supermercado (ao invés de comércio de produtos) e, após certo tempo, o vendedor retornar para o “mercado” explorando as atividades de “atacarejo” ou “atacado” na mesma área geográfica do comprador; ou, ainda, (ii) na hipótese da cláusula não prever especificamente a vedação à atividade de venda de FLV (frutas, legumes, verduras) e o vendedor retornar para o mercado, dentro do prazo de non-compete e na mesma área de atuação do comprador, para concorrer com o comprador na exploração das atividades de FLV.
Consequências da Infração à Obrigação de Non-Compete: O contrato de venda e compra deverá prever expressamente todas as consequências aplicáveis ao vendedor na hipótese de infração à obrigação de não concorrência.
Tais consequências poderão resultar na aplicação de multa pecuniária (não compensatória) para cada ato infracional praticado diretamente ou indiretamente pelo vendedor (e/ou por pessoas a ele vinculadas) cumulado como responsabilização por perdas, danos e lucros cessantes proporcionais aos prejuízos sofridos pelo comprador.
Também é importante prever expressamente no contrato que o pagamento de quaisquer penalidades pelo vendedor não o exime da obrigação de continuar cumprindo integralmente a restrição de non-compete durante o prazo de vigência convencionado entre as partes contratantes.
Por Leonardo Tonelo Gonçalves, Sócio.